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Importante publicação mineira comemora 50 anos

Adelino Júnior

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Publicação responsável pela projeção de novas gerações de escritores de Minas Gerais comemora seu cinquentenário.

A publicação literária mais expressiva de Minas Gerais, quiçá do Brasil, criada pelo escritor Murilo Rubião em 1966, o ‘Suplemento Literário de Minas Gerais’ celebra o cinquentenário no próximo dia 3 de setembro. O jornal literário circula, bimensalmente, encartado nas edições de sábado do jornal Minas Gerais.

Conhecida no país por ter nascido de suas páginas a famosa Geração Suplemento – da qual faziam parte escritores nacionais como Luiz Vilela, Humberto Werneck, Jaime Prado Gouvêa, Sérgio Sant’Anna, Duílio Gomes, Márcio Sampaio, Adão Ventura, Carlos Drummond de Andrade e com a participação de escritores com reconhecimento mundial como Júlio Cortázar, Clarice Lispector e Jorge Luis Borges –, a publicação foi berço também de toda uma geração de artistas plásticos.

Criação de Murilo Rubião, o ‘Suplemento Literário’  foi lançado em 3 setembro de 1966. Em 2016, portanto, a publicação completa 50 anos de existência, no mesmo ano em que se celebra o centenário de nascimento do escritor mineiro. O jornal nasceu vinculado à Imprensa Oficial, mas em 1994 foi transferido para a Secretaria de Estado de Cultura (Sec), e desde então passou a se chamar Suplemento Literário de Minas Gerais.

No cinquentenário e centenário, uma das principais publicações do gênero se une a um dos nomes mais marcantes da literatura brasileira, tendo como resultado inicial das comemorações uma edição especial que o Suplemento Literário de Minas Gerais lançou, no mês de julho, totalmente dedicada a Murilo Rubião.

A edição é recheada com relatos pessoais sobre a memória e vida de Rubião, além de críticas literárias sobre sua obra. Um escritor de apenas 33 contos, mas com um conjunto de obra suficiente para marcar uma geração e influenciar novos escritores com seu realismo mágico.

Nascido em 1º de junho de 1916, Rubião cresceu com sua família de escritores na pequena cidade de Carmo de Minas. O jornalista foi criador de trabalhos importantes como “O Ex-Mágico” (1947) e “O Pirotécnico Zacarias” (1974), nos quais a principal característica foi deixar de lado a lógica e a racionalidade do mundo real para abraçar um imaginário lúdico.

O contista movimentou a cena cultural mineira em uma época que não havia um órgão oficial destinado ao segmento. Rubião esteve à frente da criação de espaços culturais como a Fundação de Arte de Ouro Preto (Faop), a Escola Guignard e também a Escola de Arte Rodrigo Melo de Franco de Andrade.

Depois do escritor, marcaram épocas na editoria do Suplemento Literário Rui Mourão, Ideu Brandão e logo após, entre 1971 e1973, o atual secretário de Cultura e ex-editor, Angelo Oswaldo, tendo participado dos primórdios da implantação da publicação no estado.

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Foto: Arquivo/Suplemento Literário

“Nos seus primórdios o suplemente alcançou uma repercussão internacional pela linha editorial voltada para a vanguarda e o compromisso com a liberdade de expressão. Vivíamos a ditadura militar no Brasil e havia censura à imprensa. No entanto, o Suplemento Literário, refugiado na barriga da Imprensa Oficial, conseguiu surpreender os leitores com matérias avançadas e que seriam consideradas subversivas na época. Por outro lado, o Suplemento foi responsável pela projeção de novas gerações de escritores de Minas e de todas regiões do Brasil, além de promover um intenso diálogo com a acultura internacional especialmente no contexto latino-americano. Eu ouvi do escritor Júlio Cortázar que ele se leu pela primeira vez em português no Suplemento Literário”.

Angelo Oswaldo, secretário de Estado de Cultura

As edições traziam e continuam trazendo a excelência da expressão cultural mais proeminente de Minas Gerais e do Brasil, envolvendo diversas vertentes artísticas e, além da literatura, abarca também cinema, artes plásticas, teatro e música, em reportagens, entrevistas, ensaios, críticas e depoimentos foram sempre ressaltados. O Suplemento Literário é atualmente editado pelo escritor Jaime Prado Gouvêa. Jaime Prado teve sua estreia nas páginas do Suplemento nos primórdios da publicação. Ao rememorar estes anos, escreveu: “O SLMG promoveu o lançamento de muita gente nova. Um suplemento especial, em duas edições, é dedicado inteiramente aos ‘novos’ de Minas, uma geração que se interessava pela cultura como há muitos anos não se via no estado”.

Ao lado de autores como Sérgio Andrade Sant’Anna, Luiz Vilela, Luis Gonzaga Vieira e Humberto Werneck, teve sua estreia nas páginas do SL do Minas Gerais o grupo que acabaria sendo conhecido como Os Novos.

A publicação bimensal, com 13.500 exemplares físicos circulando gratuitamente em Minas Gerais, atualmente, pode ser acessada virtualmente, com todas edições na íntegra disponíveis online no site da Biblioteca Pública estadual Luiz de Bessa: www.bibliotecapublica.mg.gov.br. A última edição publicada, maio e junho, está disponível. A publicação mais atual, julho e agosto, de número 1.367, entrará no ar logo após sua circulação.

Uma edição especial do SL, que circula duas vezes ao ano, semestralmente, sem ser datada, está sendo preparada para o cinquentenário. Os detalhes das 80 páginas comemorativas estão sendo cuidadosamente preparados e o criador desta edição especial, Jaime Prado Gouvêa, adianta que o conteúdo especial é esperado por todos os amantes da literatura.

“Reunimos trabalhos feitos no Suplemento Literário de algumas pessoas que fizeram parte desde o início da a história e de outras épocas, matérias importantes, contos e poesias, muitos deles lançados no Brasil por meio do Suplemento. Uma entrevista que Antônio Candido, um dos críticos literários mais importantes do Brasil, deu ao cineasta Helvécio Ratton, em 2012, contando histórias de Murilo Rubião é algo inédito e será um dos destaques”
Jaime Prado Gouvea, editor do Suplemento Literário

O início

A história do Suplemento Literário de Minas Gerais começou pelas estradas pobres do Norte de Minas Gerais, no início do governo de Israel Pinheiro, em meados dos anos 60 do século passado. O governador notou que cerca de 200 localidades daquelas regiões estavam virtualmente isoladas, sem receber jornais ou informações de espécie alguma do resto do país.

Preocupado com essa lacuna, o governador recomendou ao então diretor da Imprensa Oficial, Raul Bernardo Nelson de Senna, que preparasse uma seção noticiosa e uma página de Literatura. Murilo Rubião sugeriu, então, que se fizesse um suplemento literário em vez de uma simples página. Sugestão aceita, Murilo, encarregado de ser o secretário da publicação (compondo com os dois colegas a comissão de redação), pediu um mês para preparar seu lançamento.

No dia 3 de setembro de 1966, com Paulo Campos Guimarães na direção da Imprensa Oficial, surgia o primeiro número do Suplemento Literário do “Minas Gerais”.

Setembro de 66, as primeiras palavras

Naquela época, apenas dois suplementos literários sobreviviam no Brasil: o do Correio do Povo, de Porto Alegre, e o de O Estado de São Paulo. Pouco antes, um suplemento que era publicado pelo jornal Estado de Minas fora extinto, deixando com seu editor, o poeta Affonso Ávila, muitas matérias e colaborações inéditas. Murilo Rubião pediu a ajuda do amigo, de sua mulher Laís Corrêa de Araújo – convidada para integrar a comissão de redação – e de seus muitos amigos artistas.

A  receita deu certo e, desde a primeira página, em que vinha estampado um poema de Bueno de Rivera ilustrado por Álvaro Apocalypse, pôde contar com nomes como Fábio Lucas, João Camilo de Oliveira Torres, Zilah Correa de Araújo, Ildeu Brandão, Márcio Sampaio, Libério Neves, Flávio Márcio e Luis Gonzaga Vieira, além de desenhos de Chanina.

Para compor a equipe de redação, foram convocados alguns jovens que apenas começavam a escrever: Rui Mourão, Humberto Werneck, Carlos Roberto Pellegrino, José Márcio Penido, Adão Ventura e João Paulo Gonçalves da Costa.  As artes plásticas ficaram por conta de Márcio Sampaio e, para garantir uma feição moderna ao jornal, foi dada toda liberdade ao diagramador Lucas Raposo.

As ilustrações ficavam por conta de Álvaro Apocalypse, Chanina, Jarbas Juarez e Eduardo de Paula, todos já bastante conhecidos, e de novos que vinham surgindo, como Madu, Pompéia Britto da Rocha, Liliane Dardot, José Alberto Nemer, Carlos Wolney e José Márcio Brandão.

“A redação do Suplemento passou a ser o ponto de encontro de uma boa parcela da intelectualidade belo-horizontina, um círculo aberto a todas as tendências, embora os acadêmicos se ressentissem de suas ausências nas páginas do semanário. Mas era, sobretudo, o lugar onde se encontravam os maiores e os melhores: Emílio Moura, Henriqueta Lisboa, Bueno de Rivera, Francisco Iglesias, Afonso Ávila, Laís e Zilah Corrêa de Araújo, Manoel Lobato; e artistas plásticos, como Álvaro Apocalypse, Eduardo de Paula, Jarbas Juarez, Chanina, Nello Nuno, Ana Amélia. E ali mantinham longas conversas, nem sempre “literárias” numa boa e fecunda mistura de gerações”
Márcio Sampaio, poeta, artista plástico e crítico de arte

O Suplemento, naquela época, tinha oito páginas, que podiam passar a 16 em certas edições especiais, como a que comemorou o primeiro aniversário do jornal e que reunia nomes de expressão nacional como Carlos Drummond de Andrade, Libério Neves, Samuel Rawet, Haroldo de Campos, Benedito Nunes, Frederico Morais, Francisco Iglésias, Emílio Moura, Nélida Piñon, Maria Alice Barroso, Dalton Trevisan, Henriqueta Lisboa, Rui Mourão, Lucy Teixeira e muitos outros.

Posteriormente, se fixaria nas 12 páginas que o caracterizaram até a década de 80. Nos seus primeiros 20 anos, a periodicidade oscilou entre semanal e quinzenal. O SLMG marcou grandes nomes de literatura. Entre as opiniões sobre o Suplemento, destaca-se esta:

“O contentamento e o interesse que tenho, de receber o Suplemento, são para mim de verdade. Acho-o sem falhas. Digo que está redondamente – esplendidamente – expressando a literatura de Minas, a cultura. Pode alguém, sem susto e protesto imaginar que acaso ele viesse, por infortúnio, a desaparecer? Nem mesmo compreendo que não tivesse havido antes esse mensageiro da altura. Parabéns, pois, aos brados. Deus o mantenha sempre! – para alegrar-nos e orgulhar-nos e nos enriquecer”
Guimarães Rosa, um dos escritores mais importantes de todos os tempos

Ao par dessa repercussão, o SLMG promove o lançamento de  muita gente nova. É lançado um suplemento especial, em duas edições, dedicado inteiramente aos “novos” de Minas, uma geração que se interessava pela cultura como há muitos anos não se via no Estado.

E estrangeiros também. Três poemas de William Carlos Williams são traduzidos por João Cabral de Melo Neto, Haroldo de Campos e Joaquim Cardozo. São lançados, pela primeira vez no Brasil, alguns dos maiores escritores contemporâneos: Julio Cortazar (‘Todos os Fogos o Fogo’, junho de 1968, traduzido por Laís Correa De Araújo); Javier Villafañe (‘A Barata’, janeiro de 1969, também traduzido por Laís); Jorge Luis Borges (‘A Loteria em Babilônia’, setembro de 1969) e Gabriel Garcia Márquez (‘A Prodigiosa Tarde de Baltazar’, janeiro de 1970, ambos em tradução de Humberto Werneck e Carlos Roberto Pellegrino).

Sombras no meio da estradaEssa fase, no entanto, teria um dia de se chocar com o que vinha acontecendo com o Brasil no início dos anos 70. Em janeiro daquele ano, cumprida sua parte e deixando o Suplemento já maduro o suficiente para seguir sem ele, Murilo Rubião convocou o escritor Rui Mourão, que já vinha fazendo excelente trabalho no jornal, para substituí-lo.

No entanto, sombrias alegações políticas viriam impedir a posse de Rui Mourão. Libério Neves secretariou, interinamente, até maio, quando Ildeu Brandão foi nomeado para dirigir o jornal, já contando com Garcia de Paiva para auxiliá-lo. O Suplemento continuava.

Em maio de 1971, Ângelo Oswaldo era empossado como secretário. Música, cinema e artes plásticas ganham espaço no jornal. Matérias polêmica são publicadas, assim como suas réplicas, num movimento vivo. Diversos números especiais são publicados.

Surgem novos artistas como Marcos Coelho, Benjamin, Rosa Maria, Roberto Moreno, Luiz Maia, Humberto Guimarães. Por ocasião de um de seus aniversários, o Suplemento deixa de receber um voto de louvor da Academia Mineira de Letras sob a insólita alegação, feita por um de seus imortais, de que ele “não dava vez aos velhos”. O Brasil vivia seus tempos de “milagre”.

O ciclo de Ângelo Oswaldo terminaria em setembro de 1973, quando foi convidado para uma temporada de estudos em Paris. Mário Garcia de Paiva o substitui e chama Maria Luiza Ramos para compor a comissão.

Mas as pressões continuam e um suplemento especial, que pretendia ser uma amostra do Conto Brasileiro Atual (24 textos de ficção), é mutilado pela censura. Seriam dois números, cada um com 16 páginas. O primeiro saiu perfeito, mas o segundo teve apenas oito páginas. A imprensa nacional começou a dar atenção a esses fatos, num apoio à resistência.

Uma ponte interrompida

O clima político em que a nação vivia, a pressão cada vez maior gerada pelo choque entre o que tentava ser um movimento cultural e o fato de ser o veículo um órgão oficial – fato muito usado pelos eternos contestadores da linha do Suplemento –, acabaram por forçar uma queda da qualidade, um certo desânimo, um marasmo que só viria a ser sacudido com a nomeação do jornalista e escritor Wander Piroli para a secretaria do jornal, em janeiro de 1975.

Piroli trouxe o dinamismo do jornal diário a que estava acostumado, inovou na parte gráfica, publicou cordel, abriu espaço aos escritores que quisessem desabafar, agilizou o setor editorial e irritou os conservadores em geral. Durante alguns meses, a independência do Suplemento entusiasmou seus colaboradores; escritores de renome quiseram participar da festa; a qualidade cresceu. E, com ela, o perigo.

Em maio de 1975, sem que seu secretário fosse sequer avisado, o “Minas Gerais” publicou um editorial informando que haveria uma reformulação no Suplemento. Piroli demitiu-se imediatamente e, com ele, a grande maioria dos colaboradores, fato que repercutiu, em tom de lamento e revolta, na grande imprensa nacional.

O ciclo parecia fechado. A partir do número 454, de 17 de maio de 1975, a circulação do jornal foi interrompida – fato até então inédito –, só voltando em meados de junho, depois da nomeação de um novo secretário, Wilson Castelo Branco, que o dirigiria durante quase oito anos.

Novos tempos, nova fase

A eleição de Tancredo Neves, em 1982 prenunciava mudanças profundas, em particular no mundo artístico. Para o Suplemento, isso foi fundamental. Murilo Rubião, seu criador, foi nomeado Diretor da Imprensa Oficial.

Entre suas metas estava a renovação do Suplemento, que voltasse a ter a importância que tivera em outros tempos, quando chegou a ser reconhecido internacionalmente como um dos mais importantes veículos de informação cultural da Língua Portuguesa. Queria que fosse varrido todo o anacronismo e provincianismo por onde o jornal havia se enveredado, uma mudança que fosse até física.

Montou, então, uma equipe que conhecia bem, e que era encabeçada pela autoridade intelectual do professor Aires da Mata Machado Filho, seu chefe de gabinete. Como secretário, designou Duílio Gomes.

A comissão de redação passou a ser composta por Wander Piroli e Paulinho Assunção. A equipe de redação contava com Manoel Lobato, Jaime Prado Gouvêa e Adão Ventura. E, para dar uma nova feição gráfica ao jornal, foi chamado o poeta Sebastião Nunes, autor da programação visual que seria executada, na prática, pelo diagramador Lucas Raposo. Até o logotipo foi mudado, e, em junho de 1983, começava a nova fase.

A reação, no entanto, não estava morta. Determinados leitores, acostumados com o antigo aspecto quase acadêmico do jornal, surpreenderam-se com as páginas mais limpas, com os espaços em branco valorizando poemas e ilustrações, com alguns textos considerados “fortes”, com tudo aquilo que, enfim, costuma incomodar os acostumados.

Mas isso já não importava tanto. Os tempos eram outros. Números especiais voltaram a ser programados, inclusive certas edições impensáveis em outras épocas, como a inteiramente dedicada às mulheres – onde os textos eróticos predominavam – e a dos ilustradores, em que os textos se baseavam nos desenhos, invertendo-se o processo tradicional.

Essa nova fase publicou 130 números do Suplemento, de 4 de junho de 1983 até o número 1.000. Décadas de bons e maus momentos, mas que serviram para a iniciação de muitos talentos hoje consagrados e que, talvez, sem o espaço para publicar e o convívio com alguns dos maiores escritores mineiros, talvez tivessem suas carreiras abortadas na origem.

 

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