O falecimento do Papa Francisco, ocorrido na última segunda-feira, dia 21 de abril, em sua residência no Vaticano, deflagrou um período solene e de transição para a Igreja Católica. A chamada Sé Vacante, o intervalo entre o pontificado de um Papa e a eleição de seu sucessor, coloca em evidência figuras-chave da administração vaticana. Entre elas, destaca-se o brasileiro Dom Ilson de Jesus Montanari, de 65 anos, vice-camerlengo, que assume um papel de liderança na complexa organização do funeral e na gestão dos assuntos correntes da Santa Sé.
Nascido em 18 de julho de 1959, no município de Sertãozinho, interior do estado de São Paulo, Dom Ilson construiu uma sólida trajetória eclesiástica. Sua ordenação sacerdotal ocorreu em 18 de agosto de 1989, marcando o início de seu serviço à comunidade católica. No mesmo ano, foi nomeado pároco da igreja de São João Batista, em sua cidade natal, demonstrando desde cedo seu comprometimento com a fé e a administração paroquial.
Sua dedicação ao ensino teológico também é notável. Dom Ilson lecionou no Centro de Estudos da Arquidiocese de Ribeirão Preto e no seminário de Uberaba, contribuindo para a formação de novos líderes religiosos. Além disso, coordenou a pastoral da Arquidiocese de Ribeirão Preto, ampliando seu engajamento com as diversas atividades da Igreja na região.
A busca por aprimoramento acadêmico o levou a Roma, onde obteve uma licenciatura em Teologia Dogmática pela prestigiada Pontifícia Universidade Gregoriana. Esse período de estudos na capital italiana consolidou seu conhecimento teológico e o preparou para desafios maiores dentro da hierarquia católica. Em 2008, sua competência e dedicação foram reconhecidas com sua nomeação como funcionário da Congregação para os Bispos, um dicastério crucial no processo de seleção e acompanhamento dos bispos ao redor do mundo.
Em 2013, o Papa Francisco o elevou ao cargo de secretário da Congregação para os Bispos, o segundo posto mais importante dentro dessa congregação. Nessa função, Dom Ilson desempenhou um papel fundamental na análise dos perfis de padres indicados para se tornarem bispos e no acompanhamento do trabalho das conferências episcopais em diferentes países. Essa experiência o consolidou como um nome de confiança dentro da Cúria Romana.
Sua ascensão continuou em 2020, quando o próprio Papa Francisco o nomeou vice-camerlengo, um cargo de grande responsabilidade que exerce até o presente momento. Essa nomeação o colocou em uma posição estratégica para auxiliar o camerlengo, atualmente o cardeal irlandês Kevin Joseph Farrell, na administração dos bens e direitos temporais da Santa Sé durante a Sé Vacante.
Entenda o papel do Camerlengo e do Vice-Camerlengo na Sé Vacante
A figura do camerlengo assume particular importância com a morte de um Papa. Tradicionalmente, este oficial da Cúria Romana é responsável por constatar oficialmente o falecimento do Pontífice, colocar os selos nos aposentos papais e administrar os assuntos correntes do Vaticano até a eleição do novo líder da Igreja. O vice-camerlengo atua como um colaborador direto, auxiliando em todas as etapas desse delicado processo.
Entre as responsabilidades do camerlengo e, por extensão, do vice-camerlengo, estão a organização das cerimônias fúnebres, a convocação e a condução das reuniões do Colégio de Cardeais, e a garantia do funcionamento da administração vaticana durante o período interregno. Dom Ilson Montanari, com sua experiência e conhecimento da Cúria, desempenha um papel fundamental para assegurar uma transição suave e respeitosa.
Ritos Fúnebres
O programa das cerimônias fúnebres do Papa Francisco já foi divulgado pela Sala de Imprensa da Santa Sé. Nesta quarta-feira, o caixão com o corpo do Pontífice será levado em procissão da Capela Clementina para a Basílica de São Pedro. O cortejo passará por locais emblemáticos como a Praça Santa Marta e a Praça dos Protomártires Romanos, antes de ingressar na basílica pela porta central.
Na Basílica de São Pedro, o cardeal camerlengo, Kevin Joseph Farrell, presidirá a liturgia da palavra. Ao término desta cerimônia, terá início um período de três dias de visitação pública, permitindo que os fiéis se despeçam do Papa Francisco e prestem suas últimas homenagens.
O ponto culminante das cerimônias será a missa de corpo presente, marcada para o sábado, na Praça de São Pedro. A celebração eucarística será presidida pelo cardeal Giovanni Battista Re, decano do Colégio de Cardeais, e concelebrada por patriarcas, cardeais, arcebispos, bispos e padres de todo o mundo, representando a universalidade da Igreja Católica.
A expectativa é de uma participação massiva de fiéis. Segundo a imprensa italiana, cerca de meio milhão de pessoas são esperadas para o funeral. Além da multidão de cidadãos comuns, chefes de Estado e monarcas de diversos países confirmaram presença, demonstrando o impacto global do pontificado de Francisco. Entre os líderes que prestarão suas últimas homenagens estão o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, o presidente dos Estados Unidos Donald Trump, o presidente da França Emmanuel Macron e o presidente da Ucrânia Volodymyr Zelensky, evidenciando a relevância do Papa no cenário político internacional.
Ao final da missa, ocorrerão a “Ultima commendatio” (última recomendação) e a “Valedictio” (despedida), ritos que marcam o início dos “Novemdiales”, os nove dias de luto e missas em sufrágio da alma do Papa Francisco.
O legado de Francisco: um pontificado de rupturas e diálogo
Eleito em 13 de março de 2013, o argentino Jorge Mario Bergoglio surpreendeu o mundo ao adotar o nome de Francisco, uma homenagem a São Francisco de Assis. Desde sua primeira aparição na sacada central da Basílica de São Pedro, demonstrou um estilo pastoral inovador e uma proximidade com os fiéis. Sua famosa frase, logo após a eleição, revelou seu senso de humor e sua origem distante do centro do poder eclesiástico: “Parece que meus irmãos cardeais foram buscar-me quase até o fim do mundo.”
Ao longo de seus 12 anos de pontificado, Francisco promoveu debates e ações em temas cruciais. Sua encíclica “Laudato si'”, sobre o cuidado com a casa comum, impulsionou a discussão sobre a defesa do meio ambiente em escala global. Ele também demonstrou firmeza na punição de casos de corrupção dentro do Vaticano e de abusos sexuais cometidos por membros da Igreja, buscando restaurar a credibilidade da instituição.
Além disso, Francisco abriu espaço para a discussão de temas sensíveis como a ordenação de mulheres e de homens casados, sinalizando uma disposição para o diálogo e a adaptação da Igreja aos desafios do mundo contemporâneo. Sua origem latino-americana também marcou seu pontificado, com uma atenção especial às questões sociais e à defesa dos mais vulneráveis.
Em um último pedido, o Papa Francisco expressou o desejo de ter um funeral e um sepultamento simples, em contraste com as elaboradas cerimônias tradicionais. Ele será sepultado no mesmo caixão de madeira e zinco utilizado durante as cerimônias fúnebres. Contrariando uma tradição que remonta a 1903, Francisco escolheu ser enterrado na Basílica de Santa Maria Maggiore, em Roma, e não nas grutas vaticanas.
Seu túmulo, conforme seu desejo, será “simples”, com uma única inscrição: “Franciscus”, seu nome papal em latim. Essa escolha reflete a humildade e a simplicidade que marcaram seu pontificado, um legado que certamente influenciará a Igreja Católica nos anos vindouros.