Carência de farmacêuticos desafia projeto que libera venda de medicamentos em supermercados

Sugestão de Efraim Filho busca alinhar proposta à realidade do mercado, mas especialistas apontam riscos à saúde e impacto sobre pequenas farmácias

Redação Geral
Foto: Agência Brasil

A proposta que libera a venda de medicamentos isentos de prescrição médica (MIPs) em supermercados, desde que com a presença de farmacêuticos, enfrenta entraves para avançar no Senado. O principal deles é a escassez de profissionais habilitados para atender à possível nova demanda, segundo avaliação feita nesta quarta-feira (11) durante audiência pública da Comissão de Assuntos Sociais (CAS).

O Projeto de Lei 2.158/2023, de autoria do senador Efraim Filho (União Brasil-PB), está sob relatoria do senador Humberto Costa (PT-PE), e ainda não tem data para ser votado. O texto permite que supermercados possam comercializar medicamentos de venda livre, desde que observadas regras equivalentes às aplicadas a farmácias e drogarias, incluindo a obrigatoriedade de assistência farmacêutica no local.

Efraim argumenta que o projeto busca replicar modelos já consolidados em países como Estados Unidos e integrantes da União Europeia. “Queremos apenas introduzir no Brasil o que já é prática mundial. Medicamentos isentos de prescrição são seguros, regulamentados, e hoje podem ser comprados até pela internet”, afirmou.

O senador apresentou uma sugestão para contornar resistências: que as farmácias eventualmente instaladas nos supermercados compartilhem a mesma identidade fiscal do estabelecimento e sigam as normas sanitárias já exigidas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Ele também defendeu que os pontos de venda sejam operados diretamente pelos supermercados ou por meio de convênios com farmácias já licenciadas.

“É uma medida para beneficiar o cidadão, que muitas vezes vê o remédio pesar no orçamento familiar. Com mais concorrência, o preço tende a cair”, disse.

Falta mão de obra

Apesar da tentativa de conciliação, o debate técnico expôs gargalos. Representante da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), Cacito Augusto de Freitas Esteves alertou para a insuficiência de farmacêuticos no país.

Segundo ele, o Brasil conta com algo entre 300 mil e 400 mil profissionais, número já insuficiente para atender às 122 mil farmácias e drogarias atualmente em funcionamento. “Se considerarmos dois farmacêuticos por estabelecimento, com turnos de 16 a 24 horas, já estaríamos utilizando praticamente toda a força de trabalho disponível”, afirmou.

Sergio Mena Barreto, dirigente da Associação Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias (Abrafarma), disse que o projeto impacta diretamente o SUS e outras políticas públicas de saúde, e precisa ser analisado com cuidado. Já Cibele Zanotta, presidente-executiva da Associação Brasileira da Indústria de Medicamentos Isentos de Prescrição (Acessa), defendeu a eficácia e a segurança dos MIPs, ressaltando o rigor regulatório a que são submetidos pela Anvisa.

“A rotulagem é clara, a indicação é restrita a quadros leves, e há histórico consolidado de segurança. O autocuidado é parte essencial da saúde pública”, disse.

Risco às pequenas farmácias

A proposta também foi criticada por possíveis distorções concorrenciais. Para Ivo Bucaresky, economista e ex-diretor da Anvisa, a liberação da venda em supermercados pode provocar prejuízos a farmácias de pequeno e médio porte, que, segundo ele, respondem por até 25% do faturamento do setor.

“Supermercados dizem que os preços cairão. Mas a lógica de mercado indica que as pequenas farmácias, ao perderem espaço, terão que subir seus preços para sobreviver”, alertou.

Walter da Silva Jorge João, presidente do Conselho Federal de Farmácia (CFF), adotou tom mais enfático. “Medicamento não é mercadoria. Farmácia não é comércio comum. O debate tem que ser sobre saúde, não sobre mercado”, disse. Ele lembrou que experiências anteriores indicam aumento de preços com a liberação em gôndolas de supermercado e classificou a prática como “concorrência desleal”.

Anvisa ainda não tem posição

Já a Anvisa, responsável pela regulação do setor, ainda não se posicionou formalmente sobre o projeto. Segundo Daniel Meirelles Fernandes, titular da Quinta Diretoria da agência, qualquer manifestação só será feita após deliberação em diretoria colegiada.

“A Anvisa não é contra nem a favor de propostas legislativas. Nossa preocupação é com o não retrocesso em termos de segurança sanitária”, declarou.

Com o impasse técnico e político instaurado, a tramitação do PL 2.158/2023 deve continuar sob intensa negociação. Parlamentares e representantes do setor avaliam alternativas para conciliar maior acesso aos medicamentos com segurança sanitária e equilíbrio concorrencial.

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