Cerca de 25 trabalhadores foram resgatados em condições de trabalho escravo durante uma operação entre o Ministério Público do Trabalho (MPT), o Ministério do Trabalho e Emprego e a Polícia Militar na obra de uma unidade da Companhia de Bebidas das Américas (Ambev), em Uberlândia, no Triângulo Mineiro. Um homem que estava armado no alojamento onde os trabalhadores ficavam foi preso e a arma, apreendida, já que o suspeito não possuía porte.
Quando encontrados, os trabalhadores denunciaram ainda que a refeição disponibilizada a eles era azeda e que o local era infestado de insetos. “O MPT acompanhou toda a ação e está apurando os fatos. Diante da gravidade dos fatos apurados serão, de pronto, adotadas as medidas judiciais cabíveis para regularizar essa situação e reparar os danos verificados”, destacou o procurador do Trabalho Paulo Gonçalves Veloso.
Ainda segundo o promotor, todos os trabalhadores são do interior do Estado do Piauí. O acordo inicial teria sido feito informalmente. Os empregados só teriam assinado um contrato ao chegar em Uberlândia, o encarregado da empresa empregadora teria sido o responsável pelo transporte dos trabalhadores do Estado de origem até Minas Gerais.
No momento da ação, o trabalhadores libertados informaram que além do encarregado outros empregados da Ambev utilizavam facas para a realização das ameaças. Porém, eles não foram localizados. Em depoimento, alguns dos empregados declararam que em uma agressão o encarregado detido tentou atingir um dos empregados com a faca, mas chegou a ser contido pelo grupo de empregados. Todos os mantidos com ameaças já foram encaminhados para as cidades de origem.
Mas as irregularidades não param por aí. A empresa contratada pela Ambev para a execução da obra é a Marco Construções e Projetos, que “quarteirizou” parte da construção a outra empresa. No primeiro semestre deste ano, a Ambev anunciou um investimento de R$ 550 milhões na construção da unidade, que será a quarta fábrica da empresa em Minas Gerais, uma das maiores do mundo.
Ainda segundo Veloso, a previsão é de que o inquérito seja concluído no início da próxima semana e entregue a Justiça.
Direitos cessados
Para o presidente da Comissão de Direitos Sociais e Trabalhistas da Ordem dos Advogados do Brasil de Minas Gerais (OAB-MG), João Carlos Gontijo de Amorim, alguns benefícios que são direitos do trabalhador, como alimentação e acomodação, são tratadas como regalias por alguns empresários e, por isso, os empregadores descontam os benefícios nos salários dos empregados, que acabam não recebendo nada. “É muito comum encontrar empresas que descontam os benefícios nos trabalhos e a pessoa acaba não tendo remuneração porque é tudo descontado. Isso é crime contra a administração do trabalho e o empregador que age desta forma deve responder civil e criminalmente”, explicou Amorim.
Para ele, o que faz um trabalhador se sujeitar a condições desumanas de trabalho é a necessidade e a falta de informação. “Não existe a possibilidade de alguém se sujeitar espontaneamente a isso, mas há, sim, a necessidade do trabalho e a condição social precária, infelizmente. Em muitos casos, o empregador desconsidera as conquistas sociais trabalhistas, e não atende as necessidades mínimas e básicas dos trabalhadores que é a remuneração adequada, ou seja, o salário mínimo, as condições de segurança e saúde no ambiente de trabalho, entre outras”, finaliza.
Resposta
Por meio de nota, a Ambev informou que “o fato mencionado ocorreu fora de suas dependências e envolve empresa subcontratada por um de seus prestadores de serviços”. Além disso, a empresa também relatou que assim que tomou conhecimento da denúncia apresentada pelo MPT, pediu a rescisão do contrato com a empresa Plano Pisos Industriais que, por sua vez, foi contratada pela Marco, empresa terceirizada pela Ambev.
A empresa também informou que determinou o encerramento de todas as suas atividades no canteiro de obras da unidade em Uberlândia e que irá acionar judicialmente a Plano Pisos Industriais “por descumprimento das obrigações assumidas em contrato, especialmente, aquelas relativas às condições de trabalho de seus empregados”.
Para finalizar, a empresa enfatizou que repudia ações que vão contra os direitos trabalhistas: “a Ambev reforça que não tolera e repudia veementemente toda e qualquer situação contrária aos direitos dos trabalhadores e adotará todas providências para garantir que os prestadores observem seus padrões de segurança e saúde do trabalhador”.
Marco também se defende
A Marco, em resposta à solicitação da reportagem, também enviou uma nota onde não assume a responsabilidade pelo ocorrido com a justificativa de que os trabalhadores estavam em um alojamento fora do canteiro de obras. Confira, na íntegra, o comunicado enviado pela empresa:
“A Marco Projetos e Construções, assim que tomou conhecimento do episódio, em 18/10/13, passou a apurar e a implementar todas as medidas necessárias para melhor atender aos interesses dos trabalhadores. Da mesma maneira, tomou as providências necessárias para atender às solicitações dos órgãos competentes. A Marco esclarece, contudo, que as pessoas se encontravam em alojamento fora da canteiro de obras, não tendo a empresa ou seus representantes qualquer participação no incidente. A empresa Marco Projetos e Construções não compactua com atitudes contrárias aos direitos fundamentais dos trabalhadores, repudiando qualquer ilegalidade quanto às relações de trabalho.”
Apesar de ambas as empresas não assumirem a responsabilidade pelo crime, segundo Amorim, elas serão acionadas judicialmente, mas a responsabilidade fica a cargo da empresa contratada pela Ambev, no caso, a Marco. No entanto, durante o processo, se condenada e for constatado que a Marco não tem patrimônio para arcar com possíveis penalidades, como indenizações ou multas, essa responsabilidade passa a ser da empresa contratante, a Ambev.
O Tempo