Coronavírus e a falsa sensação de que estamos vivendo numa redoma de proteção imunológica

Tenho acompanhado mais atentamente a situação da Covid-19 desde o início de janeiro, antes que esta terrível doença fosse batizada com este nome. Já no final deste mesmo mês eu trocava mensagens com os setores responsáveis do município demonstrando minha preocupação com sua chegada, época em que o Departamento de Epidemiologia da Secretaria de Saúde também já se mobilizava e discutia possíveis medidas a serem tomadas. A primeira delas foi à organização de um Comitê de Enfrentamento, assim como já fazíamos em relação ao mosquito Aedes aegypti.

Percebi que havia a falsa esperança de que o vírus pudesse evitar o Brasil, depois pensavam que por aqui o problema seria mais brando, afinal de contas dizem que Deus é brasileiro. Ouvi muitas pessoas falarem, usando a esperança que lhes restava, que o tal “corona” não daria as caras em Ituiutaba. Não sei porque ignoramos as evidências de que a Ásia e Europa já sentiam o amargo torpor de sua presença. Nossos irmãos da Itália, assim como os de outros países, subestimaram o isolamento e até hoje sofrem com a errada decisão de manterem suas vidas e comportamento inalterados, assim como temos feito por aqui na terra do Cruzeiro do Sul. E a falsa esperança se desfez porque ele chegou arrasando as grandes e pequenas cidades. Como fazemos parte de um mundo globalizado, não tardou chegar a Ituiutaba no início de abril. Não sabemos precisar quantas pessoas infectadas temos atualmente porque o número de assintomáticos pode ser grande e não há testes suficientes (considerando também a possível margem de erro) para todos os suspeitos.

O número de transeuntes diminuiu mais por medo do que por consciência, a Prefeitura recebeu críticas pelas restrições adotadas, houve passeata para reabertura total do comércio, mas aguentou firme até onde conseguiu, pois a equipe do Comitê de Enfrentamento emitiu as recomendações assessorada por competentes profissionais até que no dia 04/05 permitiu que a maioria dos setores comerciais pudessem funcionar sob adoção de certas medidas profiláticas como a limitação de pessoas por estabelecimento, fornecimento de álcool em gel para os clientes e máscaras para os funcionários. Evidentemente que todos deveriam usar máscaras de maneira correta. Esta limitação de entrada nas lojas somada à liberação do auxílio emergencial e do comércio tem provocado filas enormes e aglomeração nos estabelecimentos, principalmente na Caixa Econômica e lotéricas. Certamente muitos têm que sair para retirar o valor do benefício para sobreviverem e outros tem trabalhar e nos fornecer o mínimo de serviços essenciais. Mas muita gente ainda está transitando sem necessidade. A ideia é simples: quem pode deve ficar em casa para não se contaminarem e não infectarem a família e os trabalhadores que podem ser considerados heróis públicos, assim como os profissionais da saúde que estão na linha de frente. Devemos respeito e obrigações a todos eles. Se não houver colaboração é inevitável que as medidas sejam mais restritivas ainda e talvez possamos chegar ao tal “lockdown”, ou seja, bloqueio total da circulação de pessoas, situação em que todos deverão ficar obrigatoriamente em casa, sem poder sair nem na calçada.

Como se não bastasse, algumas pessoas ainda resistem em não usar máscaras e muitos a usam incorretamente no queixo, com o nariz para fora, colocando a mão na frente para retirá-la, apesar das informações repassadas pela mídia e órgãos oficiais a todo momento. Será que falta instrução ou bom senso? Há uma resistência enorme em seguir as regras que garantem a saúde pessoal e pública. As festinhas e reuniões sociais, seja entre amigos ou familiares, ainda persistem como se vivêssemos numa bolha de proteção imunológica onde não iremos nos infectar nem transmitir o vírus. Reiterando, esta é uma doença que muitas vezes não sabemos quem está infectado porque muitas pessoas a estão transmitindo assintomaticamente. Quando o inimigo é invisível temos que tomar todas as precauções, mas o medo de sair da zona de conforto é mais forte do que exercer nosso papel como possíveis responsáveis pela transmissão, caso sejamos irresponsáveis. Basta uma volta pela cidade, seja na região central ou nos bairros, para vermos pessoas conversando próximas, sem máscaras, famílias e casais passeando como se estivessem de férias, bares e outros estabelecimentos burlando os decretos e idosos sem nenhum cuidado ou distanciamento de outras pessoas.

Não consigo entender porque ignoram todas as informações repassadas até o momento pois esta doença não é só uma gripezinha como disse nosso presidente. Ela tem provocado óbitos não somente entre pessoas idosas e com doenças e problemas pré-existentes, mas também entre jovens sem estas características.

A sensibilização surgirá apenas quando tivermos alguém de nossa família sepultado por Covid-19?

Certamente nossa vida nunca mais será a mesma após esta pandemia, mas tudo requer mudança e adaptação. O achatamento da curva epidemiológica e a duração de nosso sofrimento dependerá de nosso comprometimento pessoal pensando no coletivo. O vírus não se multiplica nem se propaga sozinho, ele precisa de pessoas transmitindo para outras pessoas, mesmo que seja através de objetos contendo partículas virais provenientes de secreções. Por isto mesmo temos que ter cuidado ao tocar ou manusear objetos, maçanetas, corrimões, compras, máquinas de cartão, etc. Quaisquer destas superfícies podem ser passíveis de transmissão dependendo da quantidade de secreções e partículas virais presentes e que podem permanecer infectantes por vários dias dependendo do tipo de material e das condições ambientais. Desinfete tudo que pode ser tocado ou receber estas secreções.

Quebrar esta cadeia de transmissão é imprescindível para que possamos, daqui a alguns meses, sacudir a poeira e nos abraçar retornando o contato desejado que estamos atualmente privados.

Nesta guerra inevitavelmente haverá baixas, mas, assim como as outras em que a humanidade esteve envolvida, será impossível triunfar com poucos soldados descompromissados. Faça sua parte, fique em isolamento caso seja possível, use máscaras e higienize suas mãos frequentemente para colhermos os frutos de nosso merecimento. Certamente sairemos mais fortes e resilientes para que possamos enfrentar outras pandemias que inevitavelmente surgirão.

Guilherme Garcia da Silveira

Professor do Curso de Ciências Biológicas

Universidade Federal de Uberlândia – Campus Pontal, Ituiutaba

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