Em decisão do Tribunal Federal Regional da 6ª Região (TRF6), o Ministério Público Federal (MPF) teve seus argumentos acatados para obter o indeferimento de recurso de aluna que teve matrícula cancelada por não atender aos critérios definidos em edital para cotas étnico-raciais na Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Com isso, a estudante perde a vaga no curso de design, no Campus Santa Mônica, em Uberlândia. A sentença recorrida foi proferida pela 2ª Vara Federal Cível e Criminal da Subseção Judiciária naquele município.
Apesar de a aluna se autodeclarar pessoa de etnia parda/negra, a questão foi submetida, posteriormente, a uma Comissão de Heteroidentificação para aferição dos requisitos. A comissão, seguindo os termos do edital, não reconheceu a condição autodeclarada da aluna, com base nos critérios fenotípicos, isto é, aparência física – como o conjunto das características predominantes da cor da pele, textura do cabelo e formato do rosto.
Ao analisar o recurso, o TRF6 limitou-se a examinar a legalidade da decisão administrativa da universidade, que não homologou a declaração de cor/etnia da aluna. Se identificasse irregularidade na decisão da universidade, poderia determinar a matrícula da aluna no curso em que fora aprovada. Em casos como este, o Poder Judiciário deve se limitar ao exame da legalidade, não podendo entrar no mérito da decisão administrativa, salvo em situação de arbitrariedade evidente.
O Tribunal destacou, na decisão, que “as instituições de ensino superior gozam de autonomia administrativa que lhes assegura legitimidade para a criação de programas de reservas de cotas como política afirmativa que garante o ingresso de alunos egressos de escolas públicas, de baixa renda, negros ou pardos em cursos de nível superior”.
A decisão do TRF6 confirma que não cabe mandado de segurança para discutir o não reconhecimento da condição para ingresso por meio de cotas étnico-raciais porque a avaliação do fenótipo do candidato é uma matéria de fato que exige prazo para produção de provas.
Critérios de heteroidentificação – A UFU, ao abrir as inscrições para a seleção de candidatos para o ingresso nos cursos de graduação, estabeleceu o fenótipo como critério objetivo de heteroidentificação no edital, tendo sido enquadrados como negros ou pardos somente os candidatos que, em razão da sua aparência física, tiverem traços negróides potencialmente geradores de preconceito racial.
Para o Tribunal, o critério adotado pela universidade é legítimo e atende aos princípios da legalidade e isonomia. “A igualdade como reconhecimento está alicerçada na justiça compensatória, na justiça distributiva e na promoção da diversidade. São ações afirmativas ou discriminações positivas promovidas pelo Estado para ensejar oportunidades em favor daqueles que não conseguem se fazer representar de forma igualitária, assim também para construir uma sociedade mais aberta, diversificada, tolerante e não preconceituosa”, detalhou o acórdão.
Além desta aluna, outros estudantes também tiveram as matrículas anuladas após não se enquadrarem nos critérios de cotas. Para o MPF, a Administração Pública tem o poder de autotutela, em razão do qual pode anular atos administrativos eivados de ilegalidade (art. 53 da Lei 9.784/99), que é justamente o caso de matrículas feitas por pessoas que, ao burlarem o sistema de cotas, acabaram fraudando o próprio sistema de ingresso na universidade.
A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) – pelo Grupo de Trabalho de Promoção da Igualdade Racial e Combate ao Racismo pelo Fórum Nacional de Cotas – acompanha, no âmbito do MPF, a aplicação concreta da política afirmativa das cotas raciais para acesso ao ensino superior e trabalha pela implementação da política afirmativa como um todo, em articulação com outras entidades públicas e privadas que atuam no combate ao racismo institucional.
Outros casos – Em abril de 2021, três alunas também da UFU tiveram suas matrículas canceladas após comprovação de que ocupavam irregularmente vagas destinadas a cotas raciais, autodeclarando-se negras ou pardas durante o processo seletivo para ingresso nos cursos de graduação. Os casos ocorreram no curso de medicina, em 2017; em medicina veterinária, em 2015; e em engenharia elétrica, em 2014.
Após análise da Comissão para Acompanhamento e Averiguação da Implementação das Cotas Raciais para Ingresso de Discentes na UFU, que utilizou critérios fenotípicos para averiguar o grupo racial no qual se enquadrariam as estudantes, foi decidido que as três eram brancas, portanto, não se enquadravam nos critérios raciais que utilizaram para o ingresso na universidade. Em consequência, por violação às regras dos respectivos editais, foi determinado o cancelamento das matrículas.