Na sexta-feira (17/11), a defensora pública Mônica Alves da Costa, em atuação em Ituiutaba, no Triângulo Mineiro, participou do “Seminrio de Innovación de Atención Primaria – SIAP – CUSCO “Salud y cultura. Salud de los pueblos indígenas e interculturalidad” realizado na cidade de Cusco, no Peru.
A defensora pública ministrou a palestra “Indígenas Warao e a Justiça no Brasil”, apresentando o caso em que atuou nos meses de junho e julho de 2022, em defesa de refugiados venezuelanos indígenas da etnia Warao, que se encontravam em Ituiutaba e corriam o risco de terem seus filhos menores acolhidos institucionalmente.
Na exposição, Mônica Alves relatou a experiência vivenciada, que envolveu interculturalidade e práticas decoloniais, e ressaltou que diante de casos complexos como este que envolve culturas diferentes, a solução deve ser construída com a participação das pessoas envolvidas.
O caso
Na época, o Conselho Tutelar solicitou auxílio da Defensoria Pública, argumentando que um grupo de refugiados venezuelanos, com mais de 30 pessoas, dentre as quais 13 crianças e 3 bebês, estava na cidade. As crianças não estavam sendo vacinadas, não frequentavam a escola e pediam dinheiro no semáforo com os pais.
Diante desta situação, a Defensoria procurou o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) visando verificar situações semelhantes no país. Em reunião com a ACNUR, foi esclarecido de que se tratava de indígenas da etnia Warao.
Por iniciativa da DPMG, foi realizada reunião com o Ministério Público, assistentes sociais e psicólogos da Secretaria de Saúde do Município, Conselho Tutelar, representante do Poder Legislativo, vice-prefeito, professores universitários, em especial um professor peruano, que havia conquistado a confiança dos indígenas e estabelecia contato.
Na reunião, a primeira de muitas realizadas posteriormente, foi apresentada a cultura Warao que, em seus costumes, homens e mulheres casam-se muito cedo, são fiéis, inseparáveis dos cônjuges e dos filhos. A mendicância, chamada de “coleta” é considerada trabalho, não há a ideia de exploração das crianças. Os alimentos consumidos também são diferentes, o que explica não aceitarem itens da cesta básica. Viver em contexto urbano não os destitui de sua condição de indígena.
Os Warao estão no Brasil como estratégia de sobrevivência, vítimas de violações de direitos. Em Ituiutaba, como ocorreu e ainda ocorre em várias outras cidades brasileiras, o debate era sobre o cuidado das crianças por parte dos indígenas.
Nas reuniões, sempre era debatido que além do cumprimento das normas do Estatuto da Criança e Adolescente, também deveriam ser observadas as disposições da Constituição Federal, que em seu art. 231, reconhece aos indígenas o respeito a sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições; e ainda as determinações da Convenção 169 sobre povos indígenas e tribais, da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Foi verificada a necessidade de mediação cultural, de forma a conscientizá-los de direitos e deveres. Foi garantido que pais e filhos não seriam separados.
Após negociação e diálogo contínuo, os indígenas aceitaram vacinar os filhos. Sobre a escola, foi iniciada a preparação de uma professora para ensiná-los, respeitando sua cultura dentro do possível. Todos iriam frequentar a mesma sala de aula para que os pais se sentissem seguros com os filhos na escola. Foi organizado também o transporte e prometido moradia. Esperava-se resolver assim a mendicância das crianças e adolescentes. Tudo parecia resolvido, porém, numa certa manhã, os Warao não estavam mais lá. Haviam decidido voltar para o norte e encontrar com parentes.
Como observa a defensora pública Mônica Costa, “a chegada dos Warao, com cultura e visão de mundo diversa, faz refletir sobre a construção de estratégias mais protetivas para as pessoas do grupo como um todo, em um diálogo horizontal, respeitando as diferenças socioculturais. Essa realidade demanda adequações, inclusive, por parte dos órgãos públicos”.