O advogado de um universitário que acusa policiais militares de abordagem truculenta quando estacionava o carro em uma rua do Bairro São Pedro, na Região Centro-Sul de Belo Horizonte, enviou ofícios nessa quarta-feira à Promotoria de Justiça dos Direitos Humanos, à Secretaria de Defesa Social e à Corregedoriia -Geral da Polícia Militar pedindo investigação do caso. Pedro Henrique Afonso, de 24 anos, aluno do 3º período de gestão e processos gerenciais da Faculdade de Políticas Públicas da Universidade Estadual de Minas Gerais (Uemg), diz que, por volta das 19h de 30 de março, estacionava seu Gol prata na Rua Major Lopes, em frente à faculdade, quando uma viatura da PM parou um pouco adiante.
“De dentro da viatura, os dois PMs perguntaram o que eu estava fazendo. Eu disse que era trabalhador e que estava parando o meu carro. A ação deles já foi sair do carro gritando, me chamando de vagabundo. E disse que eles não estavam reconhecendo o meu direito, que iria reclamar na corregedoria. Eles me algemaram e alegaram no boletim que houve resistência e desobediência da minha parte, me colocaram na viatura e me levaram”, afirmou.
O universitário afirma que, dentro da viatura, questionou o procedimento dos PMs, que até então não haviam pedido nenhum documento dele ou do seu veículo. “Eu estava inclusive com o crachá do Museu Inhotim, onde trabalho como educador. Eles retornaram para a rua onde estava o meu carro para averiguar a propriedade”, disse Pedro Henrique, que pediu que duas testemunhas fossem chamadas na faculdade. “Alunos, colegas e professoras saíram em minha defesa, mas não houve conversa e os policiais me levaram para o Juizado Especial Criminal da Via Expressa. Fiquei algemado até as 3h da madrugada, quando eles permitiram que eu telefonasse para o meu pai e fui liberado”, acrescentou. Ainda segundo o estudante, os dois PMs chamaram outra equipe para acompanhar o caso e outros policiais para testemunhas.
“Já passei por outras abordagens policiais, mas não posso julgar o motivo. Mas, neste caso, acredito que os militares tenham se baseado muito no estereótipo racial. Ficou muito claro isso. Foi a primeira vez que tive coragem de protestar contra a violação moral, de ser chamado de vagabundo”, afirma Pedro.
O estudante conta que decidiu tornar público o episódio para denunciar o “despreparo” na formação do policial militar. “Não tenho intenção nenhuma de entrar na Justiça com pedido de indenização. Quero repercutir o fato para discutir o desrespeito às diferenças, que não são apenas os negros que são vítimas, mas as mulheres, homossexuais, entre outros”, afirmou. Pedro Henrique se diz amedrontado e que mudou sua rotina depois do caso. “Eu me sinto ameaçado o tempo todo, à mercê da própria sorte, mesmo não tendo cometido crime nenhum”, disse. Hoje, ele conta que telefona o tempo todo para a família para informar onde está e que evita andar sozinho em locais escuros e ermos.
No dia 15 deste mês, houve audiência no Juizado Especial Criminal e foi oferecida ao estudante a suspensão processual, mediante prestação de serviços gratuitos à comunidade por quatro horas semanais, durante um mês. “Obviamente, meu cliente não aceitou porque, não cometeu crime nenhum. Esse benefício que a lei permite não discute o mérito. Mas, de qualquer forma, será uma afronta à própria dignidade da pessoa dele. Ele não estava fazendo nada de errado, não estava em ponto de venda de droga, não estava em bar ou boate. Ele estava em frente à universidade onde estuda. Foi discriminação”, disse William Ferreira de Souza, que integra a Comissão de Direitos Humanos da OAB-MG.
PM DIZ NÃO TER RECEBIDO QUEIXA
O comandante do 22º Batalhão da PM, tenente-coronel Eucles Figueiredo Honorato Júnior, afirmou que até ontem não havia recebido nenhuma queixa do estudante. “Não conheço a pessoa, não conheço o fato e não tenho formalizado nenhum tipo de reclamação a respeito disso. O que fiquei sabendo foi pelos meios de comunicação. Ele tem dois caminhos: pode procurar o batalhão para formalizar a reclamação ou a Corregedoria da PM. Só então, vamos apurar e apontar as responsabilidades, se houver”, afirmou o tenente-coronel.
Os policiais, segundo o boletim de ocorrência, acusam o estudante de desacato à autoridade durante a abordagem.
A diretora da Faculdade de Políticas Públicas da Uemg, Carmem Lúcia Freitas de Castro, disse que episódio aconteceu fora da instituição e que, mesmo assim, está prestando apoio ao aluno. “Inicialmente, procuramos a delegacia, fizemos um contato direto com o Juizado Especial Criminal e com a família e acompanhamos o caso o tempo todo. Posteriormente, fizemos um debate na faculdade, apresentando vários dados de pesquisa, inclusive da Fundação João Pinheiro, sobre a questão, com a participação do vice-reitor e da pró-reitora de extensão”, afirmou Carmem Lúcia,. Ela afirma ter procurado também a Comissão de Direitos Humanos da OAB/MG e a Secretaria de Estado de Direitos Humanos de Minas, com quem deve se reunir em breve.
Os ofícios foram enviados à promotora de Justiça dos Direitos Humanos, Nívea Mônica da Silva, ao secretário de Defesa Social, Bernardo Santana de Vasconcelos, e ao corregedor-geral da Polícia Militar, Renato Batista Carvalhaes. “Meu cliente foi vítima de discriminação. Ele é negro e não pode ter um carro? Um absurdo”, reafirmou William de Souza.
EM
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