O oito de dezembro de 2019 será lembrado pelo Cruzeiro como um dia de dor e tristeza. O tetracampeão brasileiro está rebaixado para a Série B do Brasileiro. Acabou o orgulho de ser um dos únicos do país a nunca ter caído. A inédita queda é explicada por uma soma de fatores que colaboraram para um dos dias mais tristes da história cruzeirense, o clube com mais títulos nacionais neste milênio – sete (quatro Brasileiros e três Copas do Brasil).
Má gestão
A queda cruzeirense tem muito a ver com a má gestão atual, de Wagner Pires de Sá, mas gestões passadas também têm boa parcela de responsabilidade. O Cruzeiro vem acumulando déficits anuais desde 2011. Levou dois Brasileiros (em 2013 e 2014), mas com gastos astronômicos e com dívidas que foram sendo acumuladas. O valor da venda de jogadores já não ia completamente para o caixa cruzeirense.
Com a desmontagem do elenco bicampeão, vieram as contratações de reposição, o fracasso nelas e também as dívidas. Muitos desses débitos foram parar na Fifa. O clube chegou aos R$ 100 milhões de dívidas e ainda é parte em vários processos. Nem os dois títulos da milionária Copa do Brasil (2017 e 2018) foram suficientes para deixar o momento financeiro mais tranquilo.
O último balanço cruzeirense mostrou uma dívida total de mais de meio bilhão de reais. Na coletiva de imprensa, após a queda, Zezé Perrella afirmou que hoje já chega aos R$ 700 milhões. O balanço passado sequer passou pelo crivo do Conselho Fiscal, que também se diluiu no início da crise. O Cruzeiro tentou um empréstimo de cerca de R$ 295 milhões com um fundo inglês, mas tudo caiu por terra quando veio à tona as denúncias de irregularidades divulgadas pelo Grupo Globo.
A partir daí, também começaram os atrasos dos salários dos jogadores e funcionários. Após algum tempo de crise, os primeiros dirigentes deixaram o clube: Sérgio Nonato, ex-diretor-geral, e Itair Machado, ex-vice-presidente de futebol. Serginho, entretanto, continuou estando a par dos temas que envolvem o Cruzeiro. O presidente, Wagner Pires de Sá, continuou, mas já sem tanto poder de barganha, pois um conselho gestor foi criado, e Zezé Perrella, também presidente do conselho deliberativo, passou a coordená-lo, na condição de gestor do futebol.
Política conturbada
A má gestão foi acompanhada de um cenário político conturbado e iniciado a partir da última eleição presidencial, em outubro de 2017. Aliados durante a campanha, Wagner Pires de Sá e Gilvan de Pinho Tavares, antecessor no cargo, romperam logo após o pleito, principalmente por causa da confirmação de que Itair Machado assumiria o futebol. Bruno Vicintin, Tinga e Klauss Câmaratambém deixaram o clube em meio à entrada de Itair.
Outro fator para o rompimento foi a eleição para o conselho deliberativo do Cruzeiro. Havia um acordo costurado para uma chapa única, com nomes indicados por Gilvan e Wagner. Porém, por causa do rompimento, Wagner se aliou a Zezé Perrella em uma eleição de chapa única. A lista do atual presidente venceu, mas o processo foi parar na Justiça.
O Conselho Deliberativo cruzeirense também elegeu, este ano, o novo Conselho Fiscal, apoiado pela atual direção e que teria a missão de rever os contratos e emitir um parecer sobre o balanço financeiro. Até o momento, não houve apreciação do conselho deliberativo sobre o balanço referente a 2018. Uma reunião para afastar o presidente do cargo também foi cancelada com a formação do conselho gestore a costura política envolvendo Zezé Perrella e o atual mandatário.
Neste momento, o conselho deliberativo vem apresentando um racha profundo entre seus membros, com alguns grupos políticos se formando e aumentando a colcha de retalhos que virou a política do clube mineiro, há um ano de uma nova eleição presidencial e próxima do centenário.
Troca de técnicos
O extracampo se mostrou conturbado desde 2017, mas esportivamente o Cruzeiro também tomou atitudes que contribuíram para a queda. Cinco treinadores comandaram a equipe no Brasileiro, sendo um interino – Ricardo Resende, no empate com o Avaí por 2 a 2, em Santa Catarina.
Outros quatro tiveram mais tempo de trabalho. Mano Menezes foi quem iniciou a campanha da queda. Foram 10 pontos conquistados em 39 disputados, ou 13 jogos. O aproveitamento foi de 25,6%. O técnico bicampeão da Copa do Brasil foi demitido após a derrota por 1 a 0 para o Internacional, no Mineirão, pela semifinal da Copa do Brasil. Neste momento, o time já havia sido eliminado nas oitavas de final da Libertadores, para o River Plate, da Argentina.
O substituto foi Rogério Ceni, que conquistou oito pontos em 21 disputados. O aproveitamento foi de 38,09%. A saída ocorreu após o empate sem gols com o Ceará, no Castelão. A relação de Rogério ficou muito desgastada com os jogadores, principalmente com o lateral Edilson, o zagueiro Dedé e o meia Thiago Neves.
Para contornar o ambiente ruim, a diretoria do clube apostou em Abel Braga, que não conseguiu tirar o Cruzeiro da situação. Foram três vitórias, três derrotas e oito empates. Aproveitamento de 40,47%. Admitindo não ter forças para reeguer o Cruzeiro, Abel deixou o time após derrota para o CSA, no Mineirão.
A última cartada para tentar dar vida nova ao Cruzeiro foi contratar Adilson Batista, ídolo cruzeirense como jogador e que, como treinador, levou o time à final da Libertadores de 2009. Adilson assumiu com três jogos restantes de Brasileiro e apenas com 10 dias de trabalho, mas não conseguiu impedir a queda. Foram três derrotas, sem o time marcar sequer um gol.
Má fase de jogadores
Os treinadores também não tiveram tanta ajuda dos jogadores. O Cruzeiro conviveu com a má fase de atletas considerados essenciais. Na lateral direita, o titular absoluto Edilson caiu de produção e passou a sofrer com lesões na panturrilha direita. Perdeu posição para Orejuela e viveu uma polêmica com Rogério Ceni ao afirmar que não teve as oportunidades que desejava e que, por isso, chegaria sem ritmo para o duelo com o Internacional, pela Copa do Brasil, quando Ceni não tinha Orejuela à disposição.
Na defesa, o zagueiro Dedé, tido então como uma das referências do time, também se envolveu em episódios extracampo, como a polêmica no vestiário com Rogério Ceni e também da festa de aniversário da sua esposa, em que torcedores invadiram a festa. Em meio a isso, o jogador teve uma nova lesão no joelho direito, que o tirou da reta final do Campeonato Brasileiro.
Na esquerda, Egídio e Dodô foram bastante criticados durante boa parte da temporada e nunca se firmaram. Egídio, inclusive, foi alvo de vaias dos torcedores em jogos no Mineirão. No meio, Rodriguinho começou muito bem a temporada, tendo o melhor início da carreira, mas depois que passou a sentir dores na parte lombar, nunca mais foi o mesmo. Passou por duas cirurgias e só volta em 2020.
Thiago Neves viu caminho aberto para ser o destaque do time na temporada, mas esteve nos holofotes mais pelo que fez fora de campo. Acumulou declarações infelizes e polêmicas, além de atuações ruins com a camisa do Cruzeiro. Foi afastado pela diretoria antes da partida contra o Vasco, por ter ido a uma festa mesmo lesionado.
A parte ofensiva, aliás, foi o principal problema. O Cruzeiro teve dificuldade de marcar gols durante todo o Brasileiro, e o seu principal atacante, Fred, passa por um dos piores momentos da carreira. Se no início da temporada ele fez 17 gols em 16 jogos, no restante de 2019 acumulou jejuns e más atuações. Perdeu o posto de titular absoluto. Seus substitutos não deram conta do recado também. Nos últimos oito jogos, o time fez apenas um gol.
Quem o municiava, também ia mal. David foi bastante criticado e, desde março, não balança as redes. Marquinhos Gabriel também nunca se firmou e, desde abril, não marca. Pedro Rocha, idem. O último gol foi contra o Avaí, ainda no primeiro turno. Sofreu com lesões e não se firmou. Uma das grandes contratações na temporada, não conseguiu apresentar atuações de brilho.
Sequências sem vitória
O número de vitórias e o excesso de empates foram decisivos para o Cruzeiro também cair de divisão. O time só teve sete vitórias em 38 partidas disputadas. Foram 15 empates no Campeonato Brasileiro. Perto de um turno completo só de igualdades.
Três grandes sequências sem vitórias também foram decisivas para o rebaixamento. A primeira foi entre a quarta rodada e a 14ª. Oito pontos em 42 disputados nesta reta inicial de campeonato. Depois, entre as rodadas 18 e 25, com quatro derrotas e quatro empates: quatro pontos em 24 disputados. Para finalizar, a sequência final, com nove jogos sem vitória. Foram quatro empates e quatro derrotas.
Farpas entre jogadores, técnicos e diretorias
Não faltaram também os problemas internos no elenco. Eles ficaram mais evidentes na era Rogério Ceni. O treinador começou barrando Edilson da lateral direita e teve a resposta do jogador, que questionou a falta de oportunidades. Rogério não deixou barato e respondeu ao jogador. Depois, foi a vez de Thiago Neves e Dedé protagonizarem um episódio com o treinador no vestiário, após o empate com o Ceará. A situação chegou a um ponto insustentável, e o lado mais fraco caiu: o do treinador.
Ao assumir a gestão do futebol cruzeirense, Zezé Perrella também protagonizou embates com os jogadores cruzeirenses. Foi assim em uma conversa na Toca da Raposa, em que houve cobrança por parte do dirigente aos atletas. Mas a pior parte estava por vir. Primeiro o áudio de cobrança de Thiago Neves para pagamento dos salários atrasados.
Zezé Perrella afirmou que o camisa 10 que compartilhou o conteúdo. Com o pênalti perdido na derrota para o CSA, o meia ficou em situação ainda mais complicada. Segundo o clube, foi detectada um edema na coxa esquerda. Entretanto, dois dias depois, Thiago foi visto em uma festa no Mineirão. O jogador foi afastado, multado e passou a trocar farpas com a diretoria pelas redes sociais.
Por tudo que o Cruzeiro passou e ainda passa, o clube mineiro terá um grande desafio pela frente, visando reconstrução administrativa, financeira e esportiva. O ano de 2020 está chegando e é preciso começar a planejar logo, já com o nome definido para ser o treinador: Adilson Batista.
Fonte: Globoesporte.com